O problema não é novo, mas a cada mês, a cada ano que passa a situação agudiza-se, deixando preocupação nas gentes das aldeias de Penela, fustigadas pelas constantes visitas de javalis, veados e corços, e os prejuízos por estes causados.
Os animais selvagens, que descem até ao sopé das serras da Lousã e do Espinhal em busca de alimento, têm vindo a criar muitos prejuízos na tímida agricultura de subsistência que vai resistindo. A que se juntam outros danos, como em viaturas envolvidas em acidentes, felizmente ainda sem consequências mais graves. Até um dia…
De norte a sul do país, nos últimos anos têm surgido relatos de uma maior presença próxima destes animais, mas é na região Centro que o problema se tem vindo a agravar, com o concelho de Penela a destacar-se pelo elevado número de bichos que diariamente “bate à porta” de várias aldeias.
“Os javalis não entram na minha cozinha porque não querem, eles vêm até ao quintal ao pé da porta e fossam tudo”, conta José Santos, que há tempos plantou 60 oliveiras em Santo Estevão, na União das Freguesias de Santa Eufémia, S. Miguel e Rabaçal, e viu tudo destruído.
É assim ali, mas o retrato é semelhante em muitas outras aldeias. Sobretudo, nas localizadas a nascente da auto-estrada A13, que tem funcionado (mas pouco…) como uma espécie de barreira, atenuando a propagação.
Carvalhais, Torre de Chão do Pereiro, Viavai, Louçainha, e por aí adiante, as aldeias sucedem-se.
“Isso são perguntas que se façam?”, responde José Emídio Ferreira à reportagem do TERRAS DE SICÓ, em Carvalhais, quando questionado sobre se também tem prejuízos causados por aqueles animais. “Por aqui quem é que não tem?!”.
Contas feitas, diz, já perdeu uns milhares. “Gastei mais de 2.000 euros só na plantação de mais de 70 castanheiros e destruíram-me tudo”, relata com visível insatisfação, dando conta ainda de dois carros danificados pelo embate contra javalis que “passeiam na estrada como se nada fosse”. “São às ninhadas, e não é uma ninhada, são várias, de noite e de dia”, afirma.
Os proprietários de terrenos, mesmo com o recurso à vedação de rede, estão a desistir das plantações e sementeiras. “Vamos cultivar para quê, para eles comerem e destruírem tudo? Não vale a pena”, lamenta José Ferreira, de “mãos atadas”: “Se matarmos um animal destes, ainda temos de responder [em tribunal]. São mais protegidos do que são as pessoas”.
Nem as pequenas hortas, à porta de casa, escapam. “Vêm aqui todas as noites. Comeram-me as couves mesmo aqui no quintal”, conta Manuel Augusto, apontando para o verde que vai restando, remexido a cada dia, junto à estrada principal no centro da aldeia.
“Não podemos plantar nada. Nem batatas, nem cebolas, alhos, nabos, milho ou o que quer que seja, eles devoram tudo”, queixa-se um dos agricultores, cada vez mais desiludido.
A juntar à desertificação populacional que também por estes lados deixou muito chão ao abandono, outros assim estão a ficar pela “desistência” dos seus donos face a um problema a que “ninguém põe mão”. “Perderam-lhe o controlo e nunca mais conseguem fazer nada”, vaticina José Santos.
“É por todo o concelho, toda a gente se queixa”, afiança Aníbal Gião. O agricultor e proprietário de um pequeno café em Carvalhais revela que já apresentou queixa dos prejuízos ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e a resposta, escrita, que obteve foi que “é a Associativa [associação de caçadores], neste caso a da Cumieira, que é a concessionária [da zona de caça] que está obrigada a pagar, e caso não pague é-lhe retirada a concessão”. Até agora, nada. “A minha nora já destruiu o carro duas vezes e ninguém paga os estragos”, lastima.
José Emídio Ferreira sintetiza: “Temos de ficar com os prejuízos e ainda somos mal tratados”. As respostas que recebem às queixas desagradam.
O TERRAS DE SICÓ procurou uma reacção da referida associação, mas não conseguiu chegar à fala com os seus dirigentes.
Monocultura não ajuda
Os incêndios que fustigaram a região em 2017, destruindo parte da alimentação para estes animais pode ter ajudado a agravar a situação, algo que Aníbal Gião descarta. “Vê ali – diz, apontando para a serra verdejante -, ardeu há meia dúzia de anos e já está outra vez em condições”. O “condições” são eucaliptos em força a povoarem o território.
Problema: a monocultura de eucalipto, e também de pinheiro, tem pouca comida para estes animais. Os especialistas defendem outro tipo de cultura, como “carvalhais, zonas com bolota ou cogumelos, com frutos silvestres; os animais alimentavam-se e não pressionavam tanto as zonas agrícolas”.
“É preciso mudar e a mudança tem de se fazer em cada um de nós e na forma como agimos. O uso múltiplo da floresta tem de ser implementado, sendo que as espécies cinegéticas no nosso território, com destaque para o javali, o corço e o veado, são também parte deste uso e da valorização florestal pretendida”, defendeu o investigador da Universidade de Aveiro, Carlos Fonseca, num documento enviado em 2017 aos presidentes dos municípios atingidos pelos fogos da segunda quinzena de Junho daquele ano, entre eles o de Penela.
À hora do fecho desta edição, decorria na Câmara de Penela uma reunião de lesados, promovida pela Associação Distrital dos Agricultores de Coimbra, com o apoio da Confederação Nacional de Agricultura, para “avaliar melhor a situação, bem como para decidir medidas a tomar para se reclamar apoios para controlo desses animais e para, desejavelmente, fazer ressarcir os agricultores pelos prejuízos que têm”.
“Apoios? Ainda gozam connosco. Ninguém faz nada, é só perder tempo”, desabafam as gentes destas terras, cada vez mais cansadas de uma convivência diária indesejada.
LUÍS CARLOS MELO
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