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Cândido Pereira

Insónias

16 de Novembro 2018

Numa daquelas noites em que o senhor João Pestana nem que a gente o trate por vosselência se digna atender o nosso apelo de um sono reparador, dei por mim matutando numa estratégia que iludisse o mencionado senhor e me desse a oportunidade de entrar no reino da fantasia.
De que havia de me lembrar? Nada menos de fazer uma hipotética viagem ao passado já a ficar remoto.
Aí, fui eu até ao dobrar da primeira metade do século XX, quando era ainda um adolescente sem preocupações, vivendo para o momento presente. Tinha cerca de vinte anos e todos sabem que nessas idades até os mais pequenos incidentes ficam gravados para sempre na memória.
Vou tentar, quanto possível, não me cingir apenas às figuras típicas da época, embora elas continuem a ocupar um cantinho particular no meu cérebro, pelo menos enquanto esse malfadado alemão destruidor de mentes não escavaqueirar totalmente o meu baú de recordações. Adiante.
De Condeixa, todos mais ou menos conhecem histórias como a do maluco André, de olhos coruscantes numa face negra de sujidade e um desmedido orgulho, suficiente para nem sequer pedir de comer. Pedir ou aceitar, fosse o que fosse!
– “Ó André, passa lá por casa a buscar umas calças do senhor doutor, que te dou!”

-“Então e o casaco?”

-“Não, o casaco ainda está em muito bom estado. São só as calças.”

-“Então vá ´vardamerda´ com elas!”
Assim, cara a cara, sem respeito ou temor. E com V, para assinalar melhor a recusa!
Este episódio, assim como outros de igual teor já foram bastamente relatados por mim ou por outros, mas servem sempre para caracterizar uma determinada época nesta Condeixa ainda demasiado provinciana, onde a posição social das pessoas se sobrepunha com relevada importância.
Havia muitos doutores, alguns com formação académica, a maior parte por ridícula pretensão de estatuto. Mas também havia muita gente boa, gente que trabalhava as clássicas quarenta e oito horas semanais. No comércio, porque na lavoura o dia amanhecia muito mais cedo e só terminava quando a visibilidade era quase nula.
Isto não vem a despropósito porque a vila era uma curiosa simbiose de urbanidade e ruralismo.
Penso que essa sua característica até determinou a grande quantidade de estabelecimentos. Havia lojas de tudo, com predominância para as tabernas. Aliás, mercearia e taberna muitas vezes confundiam-se.
Oficinas então eram mais que muitas. Alfaiates, sapateiros, barbeiros…!
Como é que num tempo em que comprar um par de sapatos ou mandar fazer um fato eram simplesmente coisas de dia de festa, esses artífices conseguiam viver?
Este é um breve retrato “a la minute” de uma vila tão antiga, linda e histórica como Condeixa.
Se tiver oportunidade, prometo voltar ao assunto.


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