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Entrevista a Bruno Sousa: “Temos de ser nós a ‘vender’ Alvaiázere”

16 de Novembro 2018

A menos de seis meses de terminar o mandato como presidente da Associação de Desenvolvimento Integrado do Concelho de Alvaiázere (ADECA), Bruno Sousa assume que “houve um crescimento da procura de Alvaiázere” e aponta a “falta de mão-de-obra” como a maior necessidade das empresas. Em entrevista ao TERRAS DE SICÓ, o dirigente afirmou que “a nossa tábua de salvação não será seguramente apenas a indústria”, mas “não estamos esgotados”, pois a “natureza, ambiente, gastronomia, turismo de natureza e religioso” podem ser “caminhos a seguir”.

 

TERRAS DE SICÓ (TS) – Como está a ADECA?

Bruno Sousa (BS) – A ADECA resiste. Não é fácil ser associação empresarial num território como Alvaiázere. Temos poucas empresas, que são de pequena dimensão e os empresários têm uma necessidade de se dedicar em absoluto à sua actividade e muito menos à vida associativa. Isto repercute-se na direcção da associação. Mas a ADECA vai resistindo e vai tentando, dia após dia, manter-se ao serviço dos associados.

 

TS – No seu entender, qual é o papel da ADECA no concelho de Alvaiázere?

BS – A ADECA tem ainda em funcionamento, até ao final do ano, um Gabinete de Inserção Profissional que serve os empresários do nosso concelho e principalmente os desempregados. Vamos trabalhando no sentido de servir os associados tentando captar apoios e ainda estabelecer parcerias e protocolos com outras entidades que sejam elementos facilitadores da sua actividade.

Temos sido também um parceiro em todas as iniciativas empresariais do Município de Alvaiázere, nomeadamente do Ecossistema Empresarial Alvaiázere+.

Neste momento, temos a decorrer um projecto de formação-acção da Confederação do Turismo de Portugal que apoia empresas na área do alojamento e restauração e temos aprovada uma candidatura para formação modular para os nossos associados, que iremos divulgar muito brevemente.

 

TS – Está há cerca de dois anos e meio à frente da ADECA. Que balanço faz do trabalho desenvolvido?

BS – O balanço deixo para os associados, mas não me sinto confortável. Acho que passados estes dois anos e meio tenho adiado projectos que gostava de ter feito, por isso, quando olho para o meu trabalho e vejo que não consegui fazer o que queria, o balanço não pode ser positivo.

Gostaríamos de ter feito mais, mas os parcos recursos da associação e a adesão dos associados obriga-nos a ponderar seriamente qualquer actividade. Penso que não conseguimos chegar aos associados como pretendíamos, não há envolvimento do mundo empresarial, não há envolvimento dos associados, não há disponibilidade… Isso é notório em algumas iniciativas que organizamos onde comparecem duas ou três pessoas, o que não justifica a organização, a logística e a divulgação. No ano passado chegámos a desmarcar actividades por falta de inscrições, é uma sensação de ingratidão que sentimos.

Como é que conseguimos chegar às pessoas e prestar um melhor serviço? Não é fácil, porque as pessoas não procuram o serviço, cada uma está no seu canto, interessando-se apenas com o que produzem ao final do dia e o resultado disso. Os empresários não querem perder tempo em apresentações e workshops, querem é um pacote à sua medida, temo-nos esforçado e queríamos fazer muito mais, mas ainda não conseguimos chegar a esse nível.

 

TS – Que projectos são esses que ficaram por fazer?

BS – O Gabinete de Apoio ao Mundo Rural, que protocolámos com a Confagri há quase dois anos, mas não o conseguimos colocar em funcionamento, porque não depende directamente de nós, temos dois técnicos acreditados, já conseguimos fazer alguns registos de parcelário e de animais, mas a efectivação do balcão de atendimento não nos permitiu divulgar.

O rebanho comunitário, que continuamos a tentar materializar, com a Junta de Freguesia que é a proprietária dos baldios, mas que depende de pareceres do ICNF.

O encontro regional de parapente em Alvaiázere, que esteve marcado em parceria com o Centro de voo livre e a ACRA, mas que por condições de voo tivemos de desmarcar, era uma iniciativa que envolvia três associações locais, para mostrar que é possível criar sinergias entre associações e isso só acresce vantagens a Alvaiázere.

 

TS – No início do mandato traçou como objectivos prestar um serviço de maior proximidade e reforçar o contacto com os associados e as entidades locais. Têm conseguido alcançar esses desígnios?

BS – Conseguimos chegar mais perto dos associados e falar mais com eles. Tivemos algumas sessões no final do ano passado e início deste ano que foram extremamente concorridas. As primeiras linhas de investimento que saíram foram plateias com bastante presença. Contudo, os empresários desmotivaram, a generalidade das candidaturas não tem apoios não reembolsáveis, são apenas créditos bonificados com taxas que as empresas quase que conseguem directamente na banca sem ter de submeter a uma carga burocrática e administrativa de uma candidatura.

Depois houve a abertura de candidaturas para o Aviso SI2E – Atrair, para atrair novo investimento aos territórios afectados pelos incêndios, saíram agora os resultados da primeira fase e ao que me parece a dotação do concurso não chega para as candidaturas. Ora, uma empresa que teve um prejuízo em meados de 2017, se esteve até agora à espera desse apoio para se reestruturar, já faliu. Esta questão da contabilidade pública nacional devia ser mais ágil e mais célere a apoiar as empresas. Não podemos depender do Estado para investir, uma empresa tem de crescer à custa própria ou da banca, com capitais próprios ou alheios, mas não pode depender de um concurso que demora um ano a apresentar resultados, por exemplo as candidaturas da segunda fase do SI2E Atrair que foram submetidas em Maio entraram a semana passada em análise.

 

TS – Quais as maiores dificuldades que enfrentam?

BS – O Interior tem graves problemas de despovoamento, população envelhecida ou não activa, défice demográfico e problemas estruturais de vias de comunicação (estamos a servir-nos com uma das auto-estradas mais caras da Europa).

Depois destes problemas vem o nosso problema interno: o facto de o território ser maioritariamente Rede Natura 2000, faz de Alvaiázere um concelho não industrial. Essa é uma questão que temos de olhar com preocupação e cuidado, porque limita-nos. Há candidaturas que pretendem criar 40 ou 50 postos de trabalho, mas não sei onde é possível instalar uma fábrica com dimensão suficiente para albergar esses postos de trabalho e Alvaiázere precisa de mais pessoas.

Isto é uma pescada de rabo na boca e não há volta a dar: não há emprego porque não há iniciativa, não há iniciativa porque não há condições físicas, não há fábricas não há trabalho, consequentemente não há pessoas, e isso implica a quebra do consumo local o deficit de investimento e a falta de iniciativas.

Acresce a isto uma espécie de baixa auto-estima, falta aos alvaiazerenses exacerbarem o orgulho na sua terra, no seu património, nas suas gentes e tradições, temos uma paisagem fantástica, temos todas as infraestruturas sociais, temos boas escolas, temos uma excelente gastronomia, uma qualidade de vida excelente, temos de ser nós a “vender” Alvaiázere. A promoção de Alvaiázere não pode ser só uma operação de marketing tem de ser um esforço colectivo de todos os alvaiazerenses, ao vendermos o chícharo, temos de vender o melhor azeite da região para as migas e o cabrito que que é tão bom com migas e o vinho região Sicó que acompanha tão bem, e o queijo Rabaçal que temos com um fio de mel para sobremesa, e a seguir temos de oferecer um passeio num dos trilhos fantásticos que temos para ajudar a digestão, e terminar a aconselhar a observação de um pôr do sol na nossa serra. Sem nos esquecermos de dizer que o nascer do sol no nosso miradouro é muito mais fantástico, pode ser que fiquem para amanhã ou voltem outro dia mais cedo.

 

TS – A ADECA tem organizado em parceria com o Município alguns bootcamps de empreendedorismo. Já começaram a dar resultados?

BS – Fizemos dois botcamps, que marcaram o arranque da incubadora, com o intuito de captar empresas. Dessas ficaram algumas e outras têm intenção de vir, mas a maior parte delas vieram apenas fazer formação, porque estava disponível e era gratuita e continuam a operar nas suas estruturas. O rácio de captação de empresas está abaixo daquilo que pretendíamos.

Os outros bootcamps têm sido nacionais, da Tourism Up e do Turismo de Portugal, que temos tido a sorte de conseguir trazer para Alvaiázere, permitindo criar dinâmicas e apresentar o nosso concelho, as nossas potencialidades e a nossa disponibilidade para acolher e para receber. O município esta de parabéns nesse sentido.

 

TS – Qual o balanço que faz destes bootcamps?

BS – O balanço é positivo. Embora a captação não tenha sido aquela que pretendíamos, tem contribuído para alargar a rede de contactos, divulgar Alvaiázere e pôr o concelho no mapa daquilo que se faz de bom na área do Empreendedorismo em Portugal.

 

TS – Este tipo de iniciativas pode contribuir para o desenvolvimento e crescimento económico de Alvaiázere?

TS – Sim, não tenho grandes dúvidas. Tal como disse há pouco, o sermos Rede Natura 2000 limita-nos para ser um concelho industrial. Portanto, temos de olhar para as potencialidades do nosso concelho e para as suas características. E na minha perspectiva o caminho será valorizarmos o património, o ambiente e os produtos endógenos.

Artesanato, produtos endógenos, turismo de natureza e religioso. Ainda temos caminhos a seguir e não estamos esgotados, mas temos de começar a pensar de forma mais abrangente, porque a nossa tábua de salvação não será seguramente apenas a indústria. Precisamos de mais.

 

TS – O facto de já não haver lotes disponíveis no concelho é, neste momento, um entrave a fixação de empresas no concelho?

BS – Claramente. A Zona Industrial de Tróia já deveria estar ampliada, até porque tenho conhecimento de empresas com candidaturas aprovadas à espera para arrancar com os seus projectos, e corremos o risco de os deslocalizarem.

 

TS – De que forma é que conseguem colmatar essa lacuna?

BS – Não depende de nós.

Admitamos que há fundamento legal para suspender ou atrasar a ampliação da zona industrial. A lei não deve ser vista a régua e esquadro. Eu sou um leigo na matéria, mas se é necessário ampliar aquela zona industrial e o problema está em algumas azinheiras, que não são possíveis de mudar, penso que, a bem da economia do concelho, deveria ser possível compensar o abate dessas com a replantação de outras num terreno adjacente, deixando avançar o projecto, até porque daqui a 20 anos conseguimos ter o triplo das azinheiras plantadas, se formos obrigados a isso, mas não conseguimos ter aquelas dezenas de postos de trabalho.

Isto preocupa-me enquanto alvaiazerense, porque não tem sido fácil captar empresas e investimento, e quando temos garantida a captação de empresas e investimento, o fundamentalismo ambiental deita tudo por terra. Reconheço toda a obrigação de proteger e salvaguardar o ambiente, o município fomenta-o oferecendo azinheiras e carvalho cerquinho para quem quiser plantar, mas há valores e prejuízos maiores que o abate das árvores, pelo que deveria haver um mecanismo de compensação, obrigando por exemplo à replantação do dobro ou triplo das árvores. Pode ser uma ideia parva, mas criava-se na zona envolvente ao parque industrial um mini-habitat protegido, permitindo diminuir o impacto ambiental e visual de uma fábrica.

É muito limitativo trocar o desenvolvimento económico do concelho por algumas árvores, que podemos replantar e estamos sujeitos a perder por qualquer fatalidade.

 

TS – Além dos bootcamps, a ADECA e a Câmara de Alvaiázere têm promovido outras iniciativas com vista a fomentar a dinâmica empresarial. Essas iniciativas já estão a dar resultados? Notam um maior interesse dos empresários em investir no concelho?

BS – O interesse da empresa é sempre a vantagem económica, pois uma empresa é uma estrutura criada para gerar lucros. Daí que qualquer empresa quando toma uma iniciativa tem de ter vantagem económica, que pode ser a comparticipação numa despesa, a localização de proximidade ou o benefício fiscal. Neste sentido, fruto da linha Atrair, houve um crescimento da procura de Alvaiázere, nomeadamente de empresas a sul do nosso concelho, sobretudo da região de Lisboa e Vale do Tejo, que mantendo a zona geográfica têm um benefício fiscal e um incentivo ao investimento que não conseguem nos concelhos limítrofes.

Também notámos por parte dos nossos associados um maior interesse, principalmente das pequenas empresas ligadas aos produtos endógenos e artesanato, que querem crescer, diversificar, dinamizar e evoluir, porque perceberam que o património e a gastronomia têm potencial de crescimento.

 

TS – Que projectos e prioridades têm delineado para um futuro próximo?

BS – Continuo com o projecto do Gabinete de Apoio ao Mundo Rural, que gostava de ver materializado logo no início do ano. Nesse sentido, vamos fazer pressing junto do nosso parceiro.

Durante o próximo ano, vamos arrancar com formação modular para os associados, que nos vai ocupar algum tempo. Estamos também a desenvolver um projecto de formação-acção com a Confederação de Turismo de Portugal, que nos desafiou a fazer nova candidatura e novos projectos de consultoria e apoio na área da restauração e hotelaria.

Temos aprovada ainda uma candidatura para formação de técnicos superiores que exerçam actividade no sector agrícola, agro-alimentar ou florestal.

Além disso, na área do turismo estamos a delinear dois projectos diferentes, será uma operação de charme para o nosso turismo local, cuja possibilidade de financiamento estou a estudar com um parceiro. Tentaremos desenvolver uma nova forma de apresentação do nosso concelho, está quase tudo no terreno, precisamos de pouco mais para tornar aquilo que está no terreno mais atractivo. A ideia pode parecer muito abstracta, mas depois de materializada vai ser uma coisa extremamente simples e actual. Mas conseguir investimento não vai ser fácil dado o montante necessário de alguns milhares de euros.

 

TS – Quais são as principais necessidades e prioridades das empresas do concelho de Alvaiázere?

BS – Dramaticamente, na minha opinião, a maior necessidade das empresas começa a ser a mão-de-obra. A minha experiência e o contacto que tenho com outros empresários é que estamos a entrar num problema gravíssimo de falta de mão-de-obra, que tem implicações na produtividade das nossas empresas.

A maior parte das empresas do território são micro-empresas de base familiar, algumas delas com sectores de actividade extremamente interessantes e necessários, que não têm seguidores, porque os jovens, fruto da escolaridade obrigatória, começam a trabalhar cada vez mais tarde e não estão disponíveis para aprender uma arte ou ofício. Portanto, estamos a entrar numa espiral de declínio das artes e ofícios tradicionais, restando apenas os que não tem alternativa ou seguem por gosto ou aptidão.

A par disso, a fiscalidade das empresas é um dos nossos maiores problemas pois, para quem faz previsões económicas a médio prazo, a incerteza fiscal do país é tramada.

As prioridades prendem-se com a sustentabilidade. Num mercado cada vez mais global, a preocupação das nossas empresas tem de ser a gestão rigorosa e a sustentabilidade, porque a demografia é um dos factores determinantes e quando não há pessoas não há consumo. Portanto, temos de encarar o futuro com algum cuidado e apreensão.

Portanto, tal como a ADECA, teremos todos de resistir.

 

TS – Quantos associados tem a ADECA? Pretendem aumentar este número?

BS – Recentemente fizemos uma campanha de regularização de quotas para os associados que estavam em dívida, dessa campanha resultou a eliminação de um elevado número que não quiseram pagar os valores em atraso. Neste momento temos 73 associados activos, mas obviamente que gostaríamos de aumentar esse número, até porque uma associação é tão mais forte quanto maior for o número de associados e o seu envolvimento na actividade associativa.

 

TS – A menos de seis menos do final do mandato, pensa em recandidatar-se?

BS – Tenho consciência que a ADECA pode ser mais e fazer mais, a minha visão para a associação e para o seu crescimento pode não ser a melhor e está na altura de testar novas dinâmicas e novas visões. Estou disponível para ceder o meu lugar se houver alguém com vontade de abraçar este projecto e fazer mais e melhor.

Nunca é uma palavra que não utilizo, mas está fora do meu horizonte manter-me como presidente.

Estando na ADECA, desde a sua constituição, não é preciso muito para perceber que é uma associação que me merece muita estima e carinho, portanto não virarei as costas, mas já transmiti à minha direcção a intenção de não continuar como presidente, estou disponível para servir a associação noutro cargo. Acho que a ADECA precisa do contributo de todos e Alvaiázere merece.

CARINA GONÇALVES


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