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Almirante António Silva Ribeiro: “Pombal estará sempre no meu coração”

2 de Novembro 2018

É com a emoção estampada no rosto que o almirante Silva Ribeiro, hoje Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, recorda a sua infância “feliz” na cidade de Pombal que o viu nascer há 61 anos, ali na Quinta da Formiga, entre a linha ferroviária e o IC2 (antiga EN1).

“A casa onde nasci já não existe, os meus pais venderam-na em 1976/77 à Câmara Municipal e foi posteriormente um infantário e uma residência ligada ao apoio social, mas há uns anos que foi demolida”.

António Silva Ribeiro nasceu numa família “muito estruturada e sólida, embora pequena, com um pai e uma mãe exemplares, que muito contribuíram para aquilo que sou hoje”.

Pombal, conta, “era uma terra pequena, onde toda a gente se conhecia, muito tranquila, e isso contribuiu para a felicidade da minha infância”.

Logo no jardim-escola aprendeu a ler e a escrever com as educadoras Mariazinha e Graciete, que lhe ensinaram as primeiras letras, ainda conservadas em “caderninhos de duas linhas” guardados religiosamente.

Assim, quando a Primária chegou, entrou para a… 2.ª classe. “Nunca frequentei as aulas da 1.ª classe. Lembro-me perfeitamente de um menino de 6 anos, sentado na cadeira, com três professores à minha frente, a fazer uma prova de passagem da 1.ª para a 2.ª classe”.

Um ano “ganho” no percurso escolar ajudou-o “bastante” vida fora, porque “fui sempre mais novo que os meus colegas, e isso na carreira militar é importante”.

Recorda-se das “grandes capacidades pedagógicas do professor Vitorino” e de atravessar diariamente a linha do comboio a caminho da escola no centro da vila. Como tinha aulas de manhã e à tarde, ia almoçar a casa dos avós, ali a dois passos.

Marcou-lhe o destino. A casa do avô Samuel, “pessoa muito austera, também da Marinha, sargento reformado, que me incutiu sempre os valores fundamentais da disciplina, organização, do respeito pelos outros, da honestidade e da seriedade”, era uma espécie de um museu da Marinha.

“Tinha vários quadros que tinha trazido das suas comissões em diversos países. Essa vivência diária em casa do meu avô, as conversas que tinha com ele, os exemplos que dava e as histórias que contava, despertaram em mim este ideal de vir para a Marinha e, no fundo, transformou a minha vida, porque há 44 anos que estou ao serviço dos portugueses”, salienta.

Por Pombal andou até completar o 3.º ano do liceu, altura em que o colégio Marquês de Pombal que frequentava, “propriedade do Dr. Saúl, de Condeixa”, teve problemas e se instalou a dúvida sobre a sua continuidade.

De pronto, os pais optaram por transferi-lo para Coimbra, primeiro para o Colégio S. Pedro, onde frequenta o 4.º e o 5.º ano, e depois para o “D. João III”, que era “um liceu extraordinário, com professores de uma categoria científica e pedagógica invejáveis”, para completar o 6.º e o 7.º ano.

“Pombal está sempre ligado a mim, estará sempre no meu coração. Não tenho, infelizmente, tempo para ir tantas vezes quanto gostaria, mas é uma terra que me marcou para toda a vida”, afirma, lembrando que seu pai, homem antes ligado ao “negócio das resinas”, ainda ali vive.

Da mãe, falecida há cerca de um ano, guarda a memória de “uma pessoa com uma inteligência superior, que apesar de não ter tido condições para estudar, sempre se dedicou muito ao estudo, tinha uma cultura de História e da área da saúde absolutamente invulgares”.

Na terra natal, António Silva Ribeiro foi agraciado, em 2012, com a Medalha de Prestígio e Carreira, atribuída pelo município, distinção que muito apreciou por ser o “reconhecimento dos meus conterrâneos”.

 

Plenamente realizado

O hoje almirante entra na Escola Naval em 1974, após o conturbado período do 25 de Abril, frequenta o curso de Marinha, tendo obtido a licenciatura em Ciências Militares-Navais, especializa-se em Hidrografia, ruma aos Estados Unidos para tirar a especialidade e, no regresso, vai trabalhar para o Instituto Hidrográfico, onde chega a exercer várias funções de chefia, até ao cargo de director-geral.

Com uma “mente agitada e inquieta”, quando percebe que “próximo dos 30 anos os hidrógrafos deixam a vida dos navios e passam a ter muito mais uma vida de cientistas de gabinete”, decide encontrar uma nova forma de dar utilidade a essa “inquietação intelectual”. Após o curso de promoção a oficial superior, e graças a “influências” que teve no Instituto Superior Naval de Guerra, de professores como Adriano Moreira, Marques Bessa ou Óscar Soares Barata, avança para o mestrado em Estratégia.

“Dedico-me a duas áreas específicas, que são a Teoria da Estratégia e o Planeamento Estratégico. Durante os quase 11 anos que estive no Estado-Maior da Armada, onde entrei como capitão-tenente e saí contra-almirante, sempre trabalhei nessa área do Planeamento Estratégico, que serve, sobretudo, para construir o futuro das organizações e tem implicações aos níveis militar e civil”, refere Silva Ribeiro, especialista em Estratégia, Ciência Política e História.

Por entre muitos outros cargos, o ex-Chefe do Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional, exerceu anteriormente, como oficial general, as funções de director-geral da Autoridade Marítima e comandante-geral da Polícia Marítima. “Ser Chefe do Estado-Maior da Armada é o cargo que qualquer oficial da Armada ambiciona desempenhar”, afiança.

Chegou ao topo da carreira militar em Março passado, quando assume a chefia das Forças Armadas. “Olhando para trás, não me arrependo do rumo tomado. Agora que já estou perto do fim da minha carreira, que já não tenho mais possibilidade de progressão, não só não me arrependo, como sinto grande orgulho pela decisão que tomei. Acho que foi uma decisão muito correcta relativamente àquilo que queria fazer em toda a minha vida. Tive a oportunidade de fazer e estar plenamente realizado”, congratula-se.

Mais. “Se atrás voltasse, voltava a fazê-lo, porque para carreira militar é preciso ter vocação para ela, é preciso ter sentido de serviço aos portugueses, é preciso admitir sacrifícios pessoais, familiares, de toda a natureza, mas quem esteja disposto a ter esse tipo de entrega ao serviço e à causa pública, na instituição militar, é plenamente realizado, porque encontra aqui formas de concretização daquilo que são os seus anseios fundamentais para ter uma vida feliz, digna, honrada e patriótica”, sublinha o almirante pombalense.

Da extensa lista, quisemos saber qual o cargo que mais preencheu o almirante. “Todos, porque de outra forma não os teria desempenhado, e todos têm as suas virtudes”.

“O primeiro cargo que desempenhei foi o de Imediato de um navio-patrulha. Preencheu-me muito pelas lições que aprendi. No Instituto Hidrográfico também, pelo rigor da investigação científica. É uma casa de excelência e que os portugueses não conhecem, um exemplo na investigação científica no mar em Portugal. Aprendi muito no Estado-Maior, com os chefes que tive, com os oficiais que chefiei”, enumera.

Quanto ao cargo mais difícil, aí restam poucas dúvidas: “Ser director-geral da Autoridade Marítima e comandante-geral da Polícia Marítima, pelas circunstâncias que encontrei nesses dois órgãos, pelo nível de exigência que tem o desempenho dessas funções e também por um conjunto de problemas, muitos deles sem justificação alguma que encontrei e que tive de resolver. Mas tive também exemplos relevantíssimos de militares, civis, polícias marítimos, de toda a gente que se uniu a mim e me ajudou a resolver esses problemas e a colocar a Direcção-Geral da Autoridade Marítima e a Polícia Marítima nos lugares de prestígio, reconhecimento e de desempenho funcional que têm hoje e que são motivo de orgulho para todos nós”, realça o almirante.

 

Carreira académica

A par da brilhante e meritória carreira militar, António Silva Ribeiro junta-lhe uma carreira académica que também o preenche e com a qual pretende fechar, daqui a uns anos, a “vida activa”.

Era capitão-de-fragata quando é desafiado a dar aulas no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), em Lisboa. Sentiu-se honrado e aceitou, leccionando para o mestrado em Estratégia.

“Como sou uma pessoa inquieta e não gosto de estar em nenhum meio sem estar devidamente habilitado para o efeito, comecei logo a tratar do meu doutoramento”, que fez em Ciência Política, tendo mais tarde realizado a prova de agregação já em Estudos Estratégicos.

O almirante observa que juntar os percursos militar e académico “foi muito útil, sobretudo para a Marinha, porque a formação académica que fui adquirindo e os conhecimentos resultantes das investigações que fui realizando, pus sempre ao serviço da Marinha”.

“Se procurar não encontra nem livros nem artigos escritos por mim que não tenham tido utilidade na Marinha e nas Forças Armadas”, frisa o também professor catedrático do ISCSP, com quase duas dezenas de livros e mais de 300 artigos publicados em jornais e revistas nacionais e estrangeiras. A facilidade de escrever acompanhou-o ao longo da vida. Um “dom” que, afirma, nasceu com ele. “Essa faculdade tem-me ajudado muito, e por exemplo, os meus discursos, embora os meus assessores contribuam com ideias, sou eu quem os faz. Sempre foi assim”, assegura.

E vêm aí mais livros? “Vêm, mas só quando terminar a minha carreira militar. Agora não tenho tempo. Tenho para acabar alguns livros que tenho adiantados mas que parei em 2011, quando tive um problema de saúde e fui obrigado a durante um período abrandar o ritmo de trabalho. Três estão quase prontos e desde essa altura que não lhes consegui pegar, porque entretanto fui assumindo responsabilidades cada vez maiores”.

É aos livros e à vida académica que se quer dedicar quando a carreira militar chegar ao fim. Quer terminar a carreira pública como professor do ISCSP, na Universidade de Lisboa, “onde tenho uma grande amizade pelos meus colegas professores e uma enorme estima, que sinto, dos meus alunos”. “Quero dedicar os últimos anos da minha vida activa aos meus alunos na universidade”, antecipa.

 

Apoio da família

Portador de uma folha de serviços com inúmeros louvores e condecorações, em Portugal e no estrangeiro, o almirante pombalense salienta que todas lhe deram “muita honra”, mas a que mais o sensibilizou foi a da Ordem de Timor-Leste, atribuída pelo presidente da República daquele país, “pela ajuda que dei à luta pela independência”, diz emocionado.

Emoção que se acentua quando fala da família. “Só sou o que sou pela mulher e pelos filhos que tenho”, garante Silva Ribeiro, com os olhos húmidos e voz embargada.

“Nunca dediquei a atenção devida à minha família, nunca. Do facto de ter uma carreira militar e outra académica sempre resultou um excessivo empenhamento profissional e só consegui e consigo garantir essas actuações nas duas áreas graças ao extraordinário apoio que recebo da minha mulher, que se sacrificou muito pela educação dos nossos dois filhos, hoje com vidas muito estruturadas e de grande sucesso pessoal e profissional”, destaca.

Numa vida tão preenchida, parte da ocupação do (pouco) tempo livre é feita, quando é época, a ver provas de ciclismo na televisão. Confessa-se um apaixonado pela modalidade, fã do falecido Joaquim Agostinho, e revela até que quando era jovem chegou a participar nalgumas corridas.

Mas “o meu passatempo preferido é sentar-me na minha secretária com uma folha de papel branco à frente e escrever um artigo. Eu descanso a escrever, a preparar uma conferência, dá-me uma enorme tranquilidade”.

A mesma tranquilidade com que exerce as funções de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o último cargo militar numa extensa carreira vivida de forma intensa.

 

Cargo de muito prestígio

“Ser Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) é um cargo de muito prestígio, pois é a cúpula dos cargos militares e sinto-me muito honrado por desempenhá-lo, mas é um cargo difícil, porque as pessoas por vezes julgam que eu sou o comandante das Forças Armadas, mas não sou. De facto, tenho essas funções de comando, a nível operacional, mas os ramos das Forças Armadas são os respectivos chefes que têm o comando completo.

No desempenho deste cargo tenho que gerir e comandar tudo aquilo que é actividade operacional das Forças Armadas, sempre em estreita colaboração com os chefes dos ramos, porque eu, como CEMGFA, não tenho tropas, elas são do Exército, da Marinha e da Força Aérea. Faço-o com grande satisfação e com grande harmonia, já que o ambiente que existe entre os quatro chefes militares é extraordinário, de respeito institucional e de grande cordialidade e amizade pessoal, e nestas condições é fácil exercer as minhas funções”.

LUÍS CARLOS MELO


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