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Cândido Pereira

Cinema, circo, robertos e saltimbancos

4 de Outubro 2018

Há mais de meio século, ainda não existia televisão mas nem por isso Condeixa deixava de ser uma vila animada, admitindo que aquele meio de entretenimento teve responsabilidade nos hábitos lúdicos do povo. Na verdade, à noite os cafés enchiam-se de gente e o Clube de Condeixa, na altura instalado no Paço dos Figueiredos, comprou um televisor, “mobilou” o salão nobre com bancos corridos que eram ocupados por sócios e não sócios, desde que pagassem uma pequena quantia-dez tostões cada sessão! Isto sucedeu não só em Condeixa mas também em muitas outras terras.

Mas antes da “gloriosa era da televisão”, a vila animava-se com festas e arraiais. Dizia António Nobre na sua “Carta a Manoel”: «(…) Condeixa! Vamos ao arraial que ali há! Sol, poeira, tanta gente! É o mesmo, vamos lá!»

Eram festas populares, geralmente no Verão, com barracas de “comes e bebes”, quermesse e o indispensável pavilhão para os bailes e actuação de ranchos folclóricos.

Até ao  final dos anos quarenta, quem assumia a organização deste tipo de festas era a proprietária do Palácio Sotto Mayor, senhora de grandes virtudes beneméritas. No pátio da sua propriedade mandava instalar as estruturas necessárias para aquele tipo de evento. Houve um ano, creio que o último dessas realizações, em que cheguei a ver lá uma garraiada onde a estrela foi o conhecido toureiro da época, Manuel dos Santos. Os espontâneos tiveram a seu cargo a parte cómica do espectáculo!

Estas festas tinham a particularidade de as despesas serem totalmente suportadas pela organizadora, mas o apuro total reverter para o Hospital D. Ana Laboreiro d’Eça, unidade de saúde mantida exclusivamente por estas e outras participações.

Das poucas mas importantes formas de diversão da vila, tomava lugar de destaque o Cine-Avenida, com exibição todos os domingos, quando não era também ao sábado e algumas datas especiais.

Para as crianças havia um momento de grande importância. O Sr. Joaquim da Costa, com o pretexto de saber se a fita a apresentar no domingo estava apta, mandava realizar uma curta sessão apelidada por nós “Experimentação”, momento ansiado por toda a criançada e até por rapazotes com barba a despontar, ou algum pai-de-família de momento ocioso e que não perdia a borla.

Ainda hoje nos questionamos se valia a pena perder o tempo de brincadeira para ver uma parte ínfima do filme, sabendo que tudo ficaria em suspenso até ao dia seguinte, depois de adquirido o respectivo ingresso na bilheteira por debaixo da escada de acesso aos camarotes? Acho que sim!

Muito esperada era a visita anual do Circo. Acampava nos terrenos do Paraíso, ao fundo da Fonte do Outeiro e era quase sempre o mesmo, como estava escrito em grandes letras luminosas por cima do toldo: «Circo Amery».

Condeixa quase já conhecia de cor todos os artistas! A maior parte viajava em caravana, mas alguns hospedavam-se em casas particulares da vila. Era o caso de uma família chinesa, pais e filhos,”jongleurs” que executavam números de equilíbrio com varas. Tinham o nome artístico, se não esqueci, «Trupe To-Ching». As duas crianças costumavam brincar connosco na Feira das Galinhas pois estavam hospedadas ali próximo. Estes jovens vieram mais tarde a constituir a sua própria companhia, o «Circo Chen» e durante alguns anos ainda vinham a Condeixa, talvez para matar saudades.

As terras do Paraíso eram também ocupadas periodicamente por “barracas de tiro ao alvo” e chegou ainda a estar lá instalada uma companhia de teatro itinerante, com os inevitáveis dramas «Amor de Perdição» e «Rosa do Adro».

Na Feira da Galinhas, mais modestamente, instalavam-se as tendas dos Saltimbancos, pequenos grupos de malabaristas que estendiam lonas no chão e sobre elas executavam os seus números de contorcionismo. À roda sentava-se o público…que debandava mal começava o peditório!

A Praça da República, só pelo facto de às terças e sextas ali se realizar o mercado, já era local de animado bulício.

De vez em quando apareciam os «Robertos», acanhados biombos onde evoluíam bonecos de pau manejados por hábeis “bonecreiros” a representar  pequenas farsas com barulhentas vozes roufenhas e muita traulitada.

Juntando velhos e novos, o “vendedor da banha da cobra” tentava impingir à assistência uma mistela em forma de pomada, pretensamente obtida a partir da gordura de cobra e infalível para a cura de qualquer mal!

Era assim esta Condeixa de meados do século vinte, simples mas divertida. Perante a magnificência das festas actuais, não passavam de insignificantes formas de diversão. Mas nós gostávamos. Contentávamo-nos com pouco, seria isso!


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