De vez em quando vou até ao pinhal interior, como quem diz: à Sertã.
Não moro lá há muitos anos. A vida encaminhou-me mais para os lados do mar. Mas vida é assim. Transporta-nos e nós vamos atrás. Não me arrependo de nada do que fiz. Talvez mudasse algumas coisas. Não muitas.
Tenho casa, hoje também, no meio do pinhal. Gosto do cheiro dos pinheiros e da resina. Não colhem a resina como vi muitas vezes. Com objetos próprios, o resineiro fazia um golpe no tronco do pinheiro Por baixo um púcaro apoiado numa base de lata. Que tem isto a ver com as vivências de outros tempos? Muito mesmo, para quem assistiu a esta operação milhares de vezes. Hoje já não se faz.
Como dizia, fui à Sertã e também como é suposto fui à procura de maranhos e bucho recheado. Já estou a ouvir alguém: O que é isso?
Pois bem: os maranhos, comida tradicional, não só da Sertã como de Proença-a-Nova. Nada mais que carne de cabra ou borrego, já velhos, cortado em bocadinhos pequenos, chouriço, presunto e arroz. Tudo isto temperado com hortelã. Fazem-se uns saquinhos com o bucho do próprio animal. Coze em água com mais hortelã. Tem mais temperos que não vem agora ao caso. Corta.se às fatias com faca bem afiada e salada de almeirão.
O bucho de porco é feito numa só peça O bucho do porco que depois de lavado e tratado com limão se recheia com carne de porco. Leva chouriço, presunto, sumo de limão e ovos batidos a fim de ligar o arroz. Primeiro coze e apura só depois é que se recheia.
Enquanto os maranhos são cozidos em água a ferver, o bucho tosta no forno.
Cada terra tem os seus pratos. Na Sertã é assim.
A minha avó e a minha mãe faziam-nos com mão de mestre. O presunto da salgadeira, o chouriço feito em casa depois de matar o porco. A hortelã, a salsa, os alhos do quintal.
Apenas o arroz. Ali não há por perto campos de arroz mas a gastronomia local utiliza muito arroz. Penso que será por ser um produto barato e ao alcance de todas as bolsas. O prato de maranhos e bucho é o elemento obrigatório dos casamentos e baptizados.
A sala de visitas da Sertã é, sem dúvida alguma, a Carvalha. Linda! Além dos edifícios conservados, a ponte romana (ou filipina) depende das opiniões dos historiadores.
Lá em baixo a ribeira, agora com caudal considerável. Está bem bonita aquela terra.
Sentei-me na esplanada e tinha que recordar o tempo da minha meninice, quando por ali andei.
Naquele local fazia-se a feira que os mais novos já não recordam, uma vez que com o andar dos tempos mudou para sítio diferente.
Uma das vezes que lá fui, teria dez anos Fomos de charrete, puxada pela mula. Demorámos imenso tempo, mas nunca mais esqueci. Tinha a vender, nas barracas, tudo o que se pode imaginar mas que já não lembro.
O que mais recordo e que gostei foi o facto de irmos para casa já de noite. As estrelas que, cravejadas no firmamento davam a ideia da abóbada de um palácio enorme. Depois a lua. Lá bem no alto, acompanhava-nos. Foi aí que a minha avó me contou, pela primeira vez a história do homem que está na lua com o molho das silvas que cortou ao domingo. É que ela contava a história e fazia-a render até chegarmos a casa.
A Sertã, tem no seu emblema, uma frigideira, que segundo se conta, serviu para afugentar os espanhóis que iriam para invadir a vila. A mulher, grande e gorda, como em todas as histórias de heroínas, estava a fritar ovos para os soldados e com ela cheia de azeite e ovos não se preocupou em atirar tudo de cima das muralhas do castelo. Verdade? Lenda? Não sei. Sempre me contaram assim.
Se passarem pela Sertã, deliciem-se com maranhos e bucho recheado. Dêem um mergulho na ribeira, na praia fluvial e, já de noite, contemplem o céu. As estrelas e mesmo a lua têm um brilho especial.
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