Um refugiado sírio de origem curda acolhido há dois anos em Portugal continua a desafiar a irmã, refugiada na Alemanha, a juntar-se a ele em Miranda do Corvo, onde vive satisfeito com mulher e filha ainda bebé.
Casado com Nuora Zalkha, Fawzi Rasheed tinha 30 anos quando entrou com a mulher nas instalações da Fundação ADFP – Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional, instituição particular de solidariedade social (IPSS) que prossegue o trabalho da Associação para o Desenvolvimento e Formação Profissional, fundada em 1987.
Fawzi perdeu a primeira mulher e o filho desse casamento no bombardeamento da sua aldeia, perto da fronteira com a Turquia, perpetrado pelas forças do governo do presidente sírio Bashar al-Assad.
O jovem teve de refazer a vida, com dores várias. Conseguiu fugir da Síria com Nuora e agora têm uma filha com um ano e quatro meses, já nascida em Portugal.
Na localidade alemã onde uma irmã, que também fugiu à guerra na Síria, vive com o marido e três filhos, o processo de integração passa por “algumas dificuldades”, admite.
“Na Alemanha, ninguém quer falar connosco. Passam na rua por um refugiado como se fosse um rato”, lamenta Fawzi em entrevista à agência Lusa, num intervalo das tarefas como fiel de armazém na ADFP, no centro de Miranda do Corvo.
Nesta vila do distrito de Coimbra, onde inicia uma vida autónoma, já sem apoios públicos do programa de integração de refugiados, esta família curda, de religião muçulmana, goza da simpatia e solidariedade da população.
“Todas as pessoas me conhecem aqui, sabem o meu nome e perguntam muitas vezes se preciso de ajuda”, afirma Fawzi Rasheed, agora com 32 anos, enquanto Nuora tem 27.
A jovem ainda não tem emprego e procura ainda adaptar-se ao mundo laboral de uma Europa de raiz judaico-cristã, onde ao longo dos séculos XIX e XX as mulheres, incluindo as que cultivavam os campos, foram engrossando a mão-de-obra nas fábricas e nos serviços.
“Eu fugi a uma guerra para não morrer”, refere. Quando entraram em Portugal, após vários meses de fugas, em terra e no mar Mediterrâneo, a bordo de uma embarcação improvisada, o agora trabalhador da IPSS liderada pelo médico Jaime Ramos “só queria um país mais calmo” onde pudesse ser feliz com a família.
Nuora Zalkha estava grávida de dois meses. Na terra natal, na República Árabe Síria, “quem fala curdo desaparece”, afirma Fawzi, que repudia as perseguições à população curda, que habita um território com 500 mil quilómetros quadrados que se estende pela Turquia, Irão, Síria e Iraque.
“Na Síria, as pessoas curdas não têm descanso”, como ele, que teve de fugir da guerra com Nuora, após ter sofrido ferimentos graves que para sempre lhe marcam o corpo e a alma.
Em casa, como no trabalho, Fawzi tenta falar apenas português com a mulher.
E é também na língua de Camões e Saramago, de Ronaldo e Guterres, que o homem responde à Lusa, menos de dois anos depois de ter sido acolhido em Portugal.
“O país é muito bom”, sublinha. O casal tem ido algumas vezes à mesquita mais próxima, em Coimbra, e cumpriu o jejum muçulmano do Ramadão, que terminou no dia 14.
Fawzi e Nuora, que por enquanto dedica os dias a cuidar da pequena Lucinda, fazem desde janeiro “algum equilíbrio” para viverem com o salário do homem, num apartamento arrendado, após terem residido algum tempo em instalações da ADFP.
Ao todo, a instituição de Miranda do Corvo acolhe atualmente ou acompanha 59 refugiados, entre sírios, eritreus e sudaneses.
“Alguns estão já numa fase de autonomização”, explica à Lusa Hugo Vaz, responsável pelo projeto de integração de refugiados da Fundação ADFP.
Contudo, “numa ou noutra situação pontual”, a IPSS pode ajudar estes e outros refugiados que têm emprego “com alguns alimentos, mas não mais do que isso”.
“Globalmente, estamos satisfeitos com que temos conseguido com estas famílias”, realça o técnico.
Oito refugiados do sexo masculino têm contrato de trabalho com empresas locais. Destes, apenas Fawzi está empregado na ADFP.
Mais dois frequentam cursos de formação profissional e outros tantos são titulares de contratos de ocupação em firmas diversas.
Fawzi continua a chamar para Portugal a irmã, que está no país de Angela Merkel.
Depois da tormenta, ele e Nuora viram a luz promissora. Em reconhecimento, deram à filha um nome latino de esperança verde-rubra: Lucinda, a “Luminosa”.
LUSA
(Na foto, acolhimento a família curda, na Fundação ADFP em Miranda do Corvo, em Junho de 2016)
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