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Cândido Pereira

A carolice

15 de Junho 2018

Carolice -“dedicação apaixonada e altruísta a uma obra, causa, ideia…” (Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa).

É isso mesmo! São pessoas que muitas vezes prejudicam a própria vida particular, para servir os interesses da comunidade. Portugal está cheio de gente assim. Basta analisar a forma como é dirigida a maior parte das associações de cultura, recreio e desporto, organismos sustentados com verbas reduzidas onde os cargos directivos não são remunerados.

Eu também fui um carola, com muita honra. Desde novo dediquei-me ao Clube de Condeixa, em todas as suas vertentes, inclusivamente a desportiva, embora nunca tivesse jeito para qualquer dessas práticas, mas até cheguei a ter o cartão da Associação de Futebol de Coimbra, para poder ser delegado aos jogos de futebol. A admiração é que a minha função devia ser presidente da Comissão Cultural!

Bem, mas tirando isso, fui grande carola em muitas outras actividades. Na organização de festas e bailes, então nem se fala! Em meados dos anos 1950 o Clube comprou uma aparelhagem sonora, composta por amplificador de som, gira-discos e microfone. Eu era o técnico de serviço, ou, como se diz agora, D.J.(discjokey, para quem não sabe).

Nessa altura o Clube tinha-se instalado no antigo prédio dos Correios, na Rua Lopo Vaz, um casarão antigo com grande salão no rés-do-chão. Quando para lá fomos, o soalho estava negro, de anos e anos sem limpeza que se visse. O Carnaval estava à porta e era a oportunidade de realizar um grande baile na própria sede, sem necessidade de recorrer aos salões do Paço dos Almadas. Porém o aspecto da sala não era nada convidativo, com o chão encardido. Foi uma das muitas ocasiões em que apareceu o espírito associativo. Quatro jovens, duas delas irmãs, a Albertina e a Rosa Pocinho, mais a Carmo Cabelo e a Maria José Lopes, dispuseram-se a esfregar com escova e sabão amarelo, todo aquele vasto soalho. Uma trabalheira, mas ficou obra asseada. Na verdadeira acepção da palavra!

Quanto à decoração da sala, foi espectacular, pela originalidade. O pé-direito, bastante alto, foi encurtado com a colocação de esteiras e serpentinas. Como se tratava de um “baile trapalhão”, as paredes foram cobertas com abanos, vassouras de piaçaba e discos velhos, de grafonola, daqueles grandalhões, de 78 r.t.m. O efeito foi soberbo e os seus obreiros tiveram a recompensa com o sucesso do baile.

Mas muitas outras situações existiram passíveis de por à prova a carolice dos associados. Como, por exemplo, quando o Clube mudou as suas instalações para o Palácio dos Figueiredos (actual sede dos Paços do Concelho e houve necessidade de adaptação dos salões, sendo necessário o derrube de uma parede para arranjar espaço para as mesas de bilhar e de ping-pong. Trabalho insano que movimentou imensa gente cheia de boa-vontade. Não pode ser esquecido o sócio Artur Dinis, que disponibilizou materiais, ferramentas e mão de obra para que tudo corresse bem. Nessa altura também, a par de muitas outras, a minha contribuição foi a execução de toda a instalação eléctrica, gratuitamente.

Seria fastidioso referir todas as pessoas que, nestes mais de cem anos de existência do Clube de Condeixa, têm dedicado toda a sua boa vontade em prol da associação. Permitam-me no entanto lembrar o António Aires dos Santos Costa que durante muitas décadas foi “alma mater” daquela colectividade, dedicando-lhe horas sem fim.

Antes de mais convém lembrar que apesar de os estatutos do Clube afirmarem que se tratava de uma colectividade sem fins políticos, esta faceta nunca esteve afastada, pelo menos nos seus órgãos directivos. Assim, quando a direcção não era afecta ao governo da nação, quem sofria as consequências, naturalmente, era a associação. Aconteceu por inúmeras vezes. Numa delas, já a sede estava instalada no Palácio dos Figueiredos, corria-se o risco de ela ser encerrada se não tivesse frequência diária. Foi o António Aires quem, durante muito tempo, abriu as portas e ali se manteve, sozinho, até cerca da meia-noite, impedindo a execução da sentença.

São dedicações assim que dignificam uma colectividade. Recentemente, como foi noticiado no TERRAS DE SICÓ, a Câmara Municipal de Condeixa, na sua Gala do Desporto, galardoou Joaquim Pocinho com o Prémio Homenagem. Como diz o jornal: “A história do Clube confunde-se, no último meio século, com a do homem que o serve horas a fio, dia após dia, anos a perder de vista, uma vida. Um homem de causas, baluarte do associativismo que tem sabido granjear o respeito e admiração de todos”.

Enquanto os “carolas” disserem “Presente” a qualquer iniciativa, todas as pequenas colectividades poderão ser grandes!


  • Director: Lino Vinhal
  • Director-Adjunto: Luís Carlos Melo

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