A vida é um trapézio sem rede, dizem. A vida musical de Susana China é agora um “trapézio” (adiante verá porquê), com rede ou sem ela, o futuro o dirá.
O nome diz pouco a muitos, mas o contrário também é verdade. Quem a conhece há mais de quatro décadas (que aparenta não ter…) sempre lhe decifrou um jeito pela arte.
Foi nos grupos de jovens, na dança, no teatro, na sua Bruscos natal, pequena aldeia da agora União de Freguesias de Vila Seca e Bendafé, no concelho de Condeixa, que despertou o gosto pela música.
“Sempre fui muito bailarica, sempre tive muito jeito para dançar, mas nada a mais que qualquer outra pessoa da família ou amigos”, revela com modéstia a cantora, que acaba de lançar, finalmente, o seu primeiro trabalho discográfico. Só agora?! Já vamos perceber as razões.
Susana foi crescendo, a vida levou-a para outros sítios (sem sons) e nunca pensou (“nunca, nunca…”) em enveredar pela música. Até há cerca de duas décadas.
Ir à procura
“Há 20 anos fui à procura. Encontrei um grupo de amigos que tinha jeito para as cantorias e guitarradas e começámos a cantar e rezar em conjunto. Foi uma situação muito natural e muito fluída, mas também aí nunca me destaquei dos outros. Não gosto de me destacar, não gosto muito da exposição”, confessa.
Estava ali, sem saber, o pontapé de saída. O convite ao grupo para cantar num casamento de um amigo obrigou a ensaios, despertou o bichinho, e daí até aulas numa escola de música para reforçar a vocação foi um pequeno passo.
O convite de um professor para integrar a sua banda fez o resto. “Nunca me esqueço, a minha estreia como cantora foi numa Sexta-feira Santa. A partir dessa data passei a gostar ainda mais da Páscoa”.
João Paulo Vieira, o providencial professor, para quem tem uma “dívida de gratidão”, viria a desafiá-la mais tarde a dar aulas de música, na vertente de voz, depois de Susana ter encetado formação na área.
Já lá vão “uns 15 anos” e continua a dar aulas, em várias escolas privadas. “Gosto muito de dar aulas, preenche-me. Acho que só devia dar aulas quem tem vocação para isso”. Aulas de voz, que “é a minha mais-valia enquanto professora, e aí, modéstia à parte, sou uma grande ´prof.´”.
São as aulas, de resto, que lhe pagam as facturas do mês. “Vivo da música porque dou aulas, porque em Portugal quem quiser viver da música tem de estar num patamar muito alto. Mas se até o Mário Lajinha, que é um dos melhores pianistas nacionais, dá aulas…”.
O seu (quase escondido) trajecto musical encontra o pianista Jorge Gonçalves, com quem faz dupla durante algum tempo. “Encaixávamos emocionalmente. Gostei muito, aprendi muito. O facto de ele ser invisual ajudou-me a desenvolver a linguagem sensitiva”. Nunca gravaram qualquer trabalho discográfico. E o desafio começou a ´persegui-la´. Quem a via cantar ao vivo perguntava por um CD para ouvir mais tarde, os amigos questionavam a demora em ver algo para memória futura. Até que…
“Há cerca de um ano comecei a pensar que se calhar fazia sentido gravar”. Se bem o pensou, melhor o fez. O “Trapézio”, primeiro trabalho discográfico de Susana China aí está. Sem o Jorge, mas com muita alma.
Só feijão!
Tocada pelo jazz, que estudou, adora música brasileira (“tem tanta coisa lá dentro”), com Elis Regina e Mônica Salmaso à cabeça, e tem como referência… Amália Rodrigues! “À medida que fui evoluindo musicalmente, eu que não gostava nada da Amália, vi que ela, que nunca tinha tido aulas na vida, fazia coisas a cantar que parecem as mais simples do mundo e não são nada fáceis”.
Acredita que o “Trapézio” lhe trará mais visibilidade, mas está convicta que tem de “batalhar muito”. “No gueto da música em que estou, a minha expectativa é pequena, porque sei que não é uma música de massas, mas também sei que não o é porque as rádios, não sei bem porquê, dão-nos feijão, mas podiam dar feijão, batata, cenoura, alface, e o nosso palato ia habituando-se a outros sabores. Não estou a fazer nenhuma crítica a nenhum tipo de música, mas as rádios têm playlists em que tocam as mesmas músicas de manhã à noite”. Pois.
“Não sou um nome conhecido, tenho ainda que fazer o caminho para que as pessoas me conheçam mais, porque não é por ter 1.000 visualizações no Youtube que sou conhecida. Isso não é nada! Mas, atenção, esse caminho não é sofrido, as coisas são o que são”, afirma Susana China, que quer ver se não sai de Coimbra “para fazer alguma coisa pela música e por mim”. Fazer a partir de “casa”, fora de Lisboa. “Parece que só tem que acontecer coisas em Lisboa. Não, não, meus senhores, há gente muita boa a aparecer em todo o lado, e esta quase que obrigação de deslocalização das pessoas para que tenham alguma visibilidade é pensar pequeno”, critica.
Feliz da vida
E a música portuguesa, como está? “Está muito fixe, há gente a tocar e a cantar muito bem. Quase conseguíamos passar nas rádios só música portuguesa. Há música que dava para encher as playlists das rádios”. Problema: “somos um país pequeno e só se dá feijão e não há como escoar. Ou se entra no circuito e tens uma máquina por trás que ajuda ou quando não tens, tens de fazer por ti”.
O rosto de Susana China é a prova da felicidade pelo momento. “Estou bem, estou muito bem. Fechei uma fase da minha vida, que se calhar tinha de passar e está passada. E estou feliz com isso, porque dá trabalho, 99 por cento de trabalho e um por cento de inspiração, pois podemos ter muito jeito, mas se não trabalhamos o jeito fica por aí”.
Susana China no trapézio da vida.
No próximo dia 23 de Março, pelas 21h30, Susana China realiza no Pavilhão Centro de Portugal, em Coimbra, o concerto de apresentação de “Trapézio”. Um trabalho discográfico em CD, com 9 músicas, desde “As manhãs” até aos “Segredos”.
“Tocava com alguma regularidade com o Guilherme Pinto, guitarrista que está neste projecto e que fez os arranjos. Há cerca de um ano decidi que íamos gravar e as coisas nasceram da minha voz e da guitarra dele”, conta a cantora.
O trabalho, gravado no auditório do Conservatório de Música de Coimbra, tem “um bocadinho de jazz, música brasileira, mas também um fado”. “Não posso dizer que seja um disco de jazz, mas é tocado e cantado por pessoas que têm formação em jazz, logo a linguagem que vem ao de cima é essa, mas é música fácil de ouvir, é bonita”, afiança Susana China.
Segundo a cantora, o disco é uma coisa datada, mas “sou muito melhor ao vivo que no disco”. “Num concerto, o que gosto é de dar às pessoas aquilo que o disco não tem, dar-me a mim uma experiência nova, a minha expectativa é que o concerto se agigante. Sou pequenina, só tenho 1,50 metros, mas quando puxo dos galões a cena é minha”, frisa Susana, na expectativa que “Trapézio” seja o primeiro de muitos, até porque já há melodias à espera do próximo.
LUÍS CARLOS MELO
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