– Ti Zé, “bote” mais um copo.
O Ti Zé levou um copo até junto da pipa, encheu e sem pressas, levou o copo ao freguês.
O Ti Zé Luiz era um homem de estatura pequena, vagaroso, mas com habilidade nata para a música. Tocava violino, bandolim ou banjo. Não sabia uma nota de música.
– Ti Zé, “bote” mais um copo. Este era muito pequeno. E o Ti Zé enquanto enchia outro copo ia ouvindo o que se dizia na taberna. O balcão era na rua no pátio e os fregueses enquanto bebiam o seu copinho, se chovia utilizavam o chapéu-de-chuva aberto para se recolherem Não refilavam.
É que os fregueses traziam os burros e carroças para transportarem as “ encomendas”. Deixavam os burros no quintal de Ti Zé. Os donos levavam alguma palha de folha de milho que os bichos comiam, mas os có-cós que ficavam fertilizavam a terra.
Cá fora os fogareiros acesos logo de manhã, assavam as sardinhas compradas ali perto, na feira que hoje se transformou em mercado onde já não há sardinhas assadas, nem copos de vinho tirados da pipa.
O Ti Zé Luiz era casado com a Sr.ª Angelina. Não ia muito à taberna. Isso era coisa de homens.
Mas à porta da cozinha apareciam algumas mulheres vindas do Casmilo, Janeanes e outros lugares ali perto. Também vinham à feira.
Chegava uma e pedia à Sr.ª Angelinha:
Ti Angelina: “ bote” aí dois copinhos de vinho. É também para a minha comadre que ficou lá fora junto da cancela.
Enchiam-se os dois copos. A mulher bebia um, quase de um fôlego. Esperava pela comadre que não aparecia. Então farta de esperar a freguesa levantava a ponta do avental e dizia:
– Não queres? Bebo eu! E bebia escondida pela ponta do avental.
Não havia comadre nenhuma.
O Ti Zé Luiz não teve sempre assim uma vida folgada. Nasceu num lugar que teria sido fundado pelos romanos, com vinhas plantadas pelos frades de Santa Cruz. Com muitas pedras. A mãe viúva muito nova precisava de juntar algum dinheiro. Saía com outras mulheres que também iam a pé vender no mercado de Coimbra. Vendiam o que a terra dava: favas, nozes, milho, centeio, almeirões ou mesmo ervas medicinais. O rapazito ficava por ali. As vizinhas sabiam que a mãe não estava em casa e davam-lhe um prato de sopa. Com um naco de broa era uma festa.
Um dia estava sentado no degrau da porta, talvez com fome, e fazendo festas na cabeça da cadela dizia:
– Boneca, não te preocupes. A nossa dona vem já.
E era assim a vida do pequeno Zé Luiz.
Entretanto, a mãe casou de novo com um homem bem-parecido, mas um tanto rigoroso.
Como aquilo não era vida e os estudos estavam fora de questão, assim que o rapaz aprendeu a ler, e o cultivo da terra, não era coisa de que gostasse muito, nem que tivesse muito jeito, ia roçando uma paveia de mato para o curral do burro ou do porco. Mas o que gostava mesmo era de apanhar passaritos com utensílios muito rudimentares ou fazer flautas com canas apanhadas nos caminhos até à vila.
Aprendeu o ofício de sapateiro. Logo que foi capaz de fazer sapatos, também ia pondo a boa disposição à prova.
Como nós os mais velhos sabemos, tinham que tirar as medidas. Punha-se o pé numa folha de papel e o nosso “ artista” aproveitava e de joelho no chão e lápis na mão fazia o desenho do pé. A rapariga fingia ou tinha mesmo, cócegas. E elas com o pé preso na folha de papel, riam, riam, divertidas.
E fez montes de sapatos.
Mas a arte, como se chamava, não dava muito. E é aqui que aparece a taberna do Ti Zé Luiz.
Num fogão de lenha a Sr.ª Angelina assava cabritos por ocasião da festa do Senhor dos Passos. Tinha “dedo” para o tempero. Os padres cansados do sermão, da procissão e fartos de confissões deliciavam-se com o cabrito, acompanhado de grelos de nabo e batatinhas assadas.
Era ali, numa sala sem luxos que eles comiam.
O marido ia despachando uns copos de vinho. Ali o vinho tirado da pipa, sem aditivos, diziam que era muito bom. Mais tarde, já com carta de condução, e uma quarta classe feita meio à pressão, já adulto, comprava o vinho no produtor.
Um dia foi, com as pipas e uma velha carripana, comprar vinho ao Casal da Azenha.
Numa curva mais apertada, uma das pipas rebolou e foi parar ao meio da terra. Como a tirou de lá, não sei.
Muitas vezes ia dormir a sesta, coisa que não perdoava, deixando a taberna aberta. O freguês entrava, servia-se e às vezes até deixava o dinheiro em cima do balcão.
Toda a gente conhecia o Ti Zé Luiz, quer pela sua boa disposição, quer pela sua bondade raiando a inocência, quer pela música que abrilhantava os bailes de aldeia. É que tocava, dançava e conversava. Tudo ao mesmo tempo.
O violino era o instrumento de eleição. O bandolim “ cantava” nas suas mãos.
Foi um gosto ter conhecido o Ti Zé Luiz.
O Ti Zé Luiz era o meu sogro.
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