Há dias uma pessoa amiga publicou no Facebook um postal antigo, muito curioso, pois quem o escreveu narrava com rigor as dificuldades ocasionadas pelo “racionamento” durante o período da 2.ª Guerra Mundial.
Embora não tendo sofrido com muita dureza essa situação, recordo-me bem desse tempo.
Porém, a dificuldade em obter produtos e bens essenciais, datava de muito antes do começo desse triste evento.
Durante a guerra civil que assolou a Espanha (1936/1939), a conhecida amizade de Franco e Salazar motivou deste último um claro apoio ao país vizinho, apoio esse que se prolongou para além do conflito, e já em plena Guerra Mundial.
Vi em Alfarelos passarem comboios cujos vagons ostentavam grandes tarjas de pano dizendo: “SOBRAS de PORTUGAL”.
Entretanto, o nosso povo sofria grande miséria!
Com o “racionamento”, todos os bens de consumo passaram a ser regulamentados por um sistema que atribuía a cada pessoa uma caderneta com senhas destacáveis onde eram indicados os produtos passíveis de obtenção. Eram quantidades ridículas e isso motivou o aparecimento de um mercado paralelo, clandestino, a “candonga”, com preços altamente inflacionados. Quem tinha dinheiro, comia. Quem não tinha, minguava à fome. E tal não é apenas simples figura de retórica! Conheci demasiada gente que vivia no limiar da sobrevivência!
A “candonga” encheu muitos bolsos de traficantes sem escrúpulos.
Tudo servia para traficar, desde o azeite ao arroz. O milho, nesse tempo de importância primordial, conseguia-se clandestinamente a peso de ouro e com grande risco de quem o vendia. Lembro-me de ver um moinho de Condeixa que foi selado pela Intendência, organismo oficial para combater esses negócios.
Nesse tempo, tudo escasseava, principalmente o dinheiro. Quem o possuía, nunca passou dificuldades. Mas nas mercearias era comum assistir-se a compras de “dez tostões” de arroz ou massa, “cinco tostões” de azeite ou “um tostão” de chicória, o café dos pobres.
Recordo também as “esperas” que a entidade fiscalizadora fazia nas estradas que vinham da serra, aos candongueiros de azeite, transportados em odres de pele. No andar superior da Cadeia, no Outeiro, permaneceu muitos anos a apodrecer uma bicicleta confiscada a um desses traficantes.
Alguns produtos eram vendidos no Grémio da Lavoura, como o milho e o sabão.
Para finalizar, a propósito do sabão e tentando dar um pouco de cor e de humor a este período da nossa vida, vou contar um engraçado episódio passado no Cine-Avenida.
Representava-se uma das revistas musicais tão do agrado dos condeixenses. Num determinado momento, o atraso do “actor” motivou que o palco ficasse vazio. Alguns espectadores começaram a manifestar-se ruidosamente. Então, o Octávio Costa, vulgarmente conhecido como “Távio da Maria Barbeira”, num rasgo de improvisação, pegou um bocado de madeira, entrou em cena e exclamou: “Desculpem o atraso mas estive até agora na “bicha” do Grémio para consegui este bocado de sabão!”
Até dos tempos de crise o povo de Condeixa sabia tirar partido!
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