Este fim-de-semana fui lá. Fui à minha terra, onde não nasci, mas onde vivi e assisti a coisas que guardadas dentro da minha memória, jamais se esquecem.
Era a semana de visitar aqueles que partiram antes de mim. Um dia chegará a minha vez.
Uma flor, ou mais, já não me lembro bem, numa jarrinha junto da lápide da campa de mármore. Fui visitar a minha mãe. O meu pai, também o visitei, como visito sempre, mas está num outro local, por vontade expressa, dele, em vida.
Mas a mãe é mãe e quanta saudade. O que eu dava para a ter comigo, embora já muito velhinha.
O dia destinado aos mortos ou dia de finados, como lhe queiram chamar é sempre um dia em que recordamos aqueles que nos foram queridos.
Não vou lá com muita frequência. Aquela aldeia perdida no Portugal profundo já não me chama, como chamava noutros tempos. Os velhos morreram e os novos não me conhecem.
Não fui pela estrada mais curta ou como se chama: a variante. Uma casa aqui e outra mais além que escapou ao fogo. São poucas e distanciadas.
Fui e vim, a matar saudades da antiga estrada que no início da Primavera se bordeja de acácias amarelas. Uma fonte antiga, muito antiga com o cano de cobre ferrugento e um fio de água, onde parávamos sempre. Os meus filhos adoravam aquela fonte. Mais acima e serpenteando pelas curvas apertadas os camiões carregados de areia ou tijolos, não nos davam passagem Precisávamos parar nos refúgios a fim de que o automóvel não aquecesse demasiado. Tempos aqueles!
Fiz durante alguns anos aquele percurso de camionete, também. Ainda não tinha automóvel. Penoso porque nunca mais chegava lá acima, mas da janela viam-se os montes com as casas brancas a luzir por entre os pinheiros e acácias amarelas, lindas!
As casas enfileiram-se juntas umas às outras, quase pegadas. Das barreiras ainda escorrem plantas: videiras, abóboras, silvas e roseiras a despencar para a estrada.
Uma curva mais apertada e quase a passo porque a ladeira era mais íngreme a camionete soluçava como a pedir desculpa por ir tão devagar. Diziam que nessa curva os salteadores aproveitavam a pouca velocidade, entravam e roubavam o que os passageiros transportavam. Depois, lá mais acima e com a camionete ainda a passo, desciam, fugindo. Os passageiros eram poucos e aqueles sítios quase desertos. Quem é que andava por ali? Só mesmo quem precisava de médico no hospital da cidade. E mesmo assim não eram muitos.
As doenças curavam-se em casa ou no médico de aldeia, muitas vezes sem salário, mas pago com frangos ou hortaliça dos quintais.
Desta vez saboreei a estrada com outros olhos, mas não deixei de me angustiar porque, não muito longe e a perder de vista os pinheiros ardidos destes últimos incêndios. Dentro do pinhal também houve casas que arderam com o recheio modesto mas adquirido com trabalho duro.
Algumas dessas habitações mais perto da estrada, portas escancaradas, e o negro do fumo deixava antever que os donos saíram à pressa muitos deles deixando para trás os haveres e até animais.
Que passeio este que me deixou a alma desolada! O dia puxava ao desânimo. Dia de finados.
A floresta vai, com os anos, recompor-se. Já se começam a ver os fetos a despontar no negrume da terra ardida. Sinal evidente de que tudo se recompõe.
Eu vou ficando cada vez mais velha a cada ano que passa. Não sei se para o ano lá vou, mas não por aquela estrada que me traz à memória tempos passados que não se renovam, como a paisagem que com o poder que a natureza lhe confere, espero seja de novo verdejante.
Como diz o povo e muito bem: tudo se transforma e tudo se renova.
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